“A pior memória da humanidade talvez seja a do Holocausto. Mas há ressonâncias ainda mais horríveis. Quando olhamos para o fundo dos tempos vemos a memória de homens esfolados vivos, de crianças passadas a fio de espada e outras atrocidades sistemáticas que fazem parecer os dias de hoje o paraíso das eras. Mas será que há nestes tempos alguma coisa de paraíso?
Quando o profeta Isaías gritava que vinham lá os Assírios, falava disto. Deste horror que era ver gente a ser esfolada em vida e a morte a abater-se tão cega sobre todos, que a palavra compaixão não tinha qualquer sentido. E foi com este pânico nos olhos que viu pela primeira vez a imagem que mais transformou o mundo: a de um Messias. Foi ele que o inventou. Para manter a esperança. Para manter coesa a vontade de um povo que via aproximar-se em carros de guerra o pior de todos os horrores. O pior de que há vestígios. E para os cristãos o Messias acabou por chegar. Para os judeus, ainda não é ninguém. Continua a ser apenas a esperança maior do que todas as palavras e do que todos os nomes.
Esta esperança sempre foi a da sobrevivência. Mesmo quando lhes queimaram o templo e os levaram escravizados para Babilónia. Mesmo quando as legiões de Roma lhes derrubaram todas as pedras do único altar onde louvavam o Deus único que também inventaram. Quando se espalharam pelo mundo na maior diáspora de que há registo, tirando a da própria humanidade a dividir-se pela terra inteira. Quando foram queimados nas fogueiras da intolerância religiosa dos nossos avós. Quando foram expulsos das pátrias onde nasceram. E sobretudo quando quiseram dar-lhes uma "solução final" e os empurraram para vagões de gado com a intenção de os gasear da forma mais cobarde, a pretexto de um duche.
Este sofrimento colectivo não tem paralelo na História. E julgo que é exactamente em nome de todo este sofrimento, que devemos exigir no mundo democrático um novo comportamento de Israel. A começar pelo fim imediato do massacre dos palestinianos em Gaza. Que devemos exigir que termine agora a punição colectiva que está a ser este acto de guerra, por mais justa que ela possa parecer à opinião pública que a sustenta: a israelita.
Quanto à opinião pública que a observa, julgo que não pode dar-se ao luxo de ignorá-la. Para bem de todos nós.
Sabemos todos que o Hamas cresceu com o ódio e que se instalou com o ódio. Que foi com o ódio que ganhou eleições e que tenta legitimar-se perante as democracias. Sabemos que foi sempre um braço político de uma mentalidade que odeia o pensamento democrático e que tem o apoio de estados como o Irão. E sabemos que não quer a paz porque também sabe que é apenas com o ódio que pode manter-se na defesa do poder que conquistou.
Mas também sabemos que Gaza não é só o Hamas. Gaza são todos os inocentes que estão neste momento à espera de sepultura. Sejam eles quinhentos, cinquenta ou apenas cinco.
Temos legitimidade para o exigir por duas razões. A primeira vem do facto de Israel não ter o monopólio da razão. Longe disso. Israel não tem cumprido boa parte das decisões das instâncias internacionais: resoluções da Assembleia-Geral das Nações Unidas, do Tribunal Internacional de Justiça ou das Convenções de Genebra. Pelo menos. E ignorar as resoluções das instâncias internacionais é não reconhecer a única forma de justiça que pode imperar sobre os Estados Soberanos. É recusar uma ordem jurídica mundial permanente. E não tendo isso, não temos mais nada a que possamos agarrar-nos. Voltamos à lei de talião, que é de onde nunca saiu este conflito: "olho por olho, dente por dente".
A segunda razão é bem mais óbvia. A morte destes inocentes não vai ser esquecida. Não vai diluir-se no esquecimento das derrotas de futebol e nem sequer do das tragédias de guerra. Tem tudo para prosperar como história do martírio de um povo: aviões a bombardear gente enjaulada e ninguém a defender do lado de fora.
Mas seja como for que seja lembrada, esta história será sempre sentida como uma punição colectiva. E as punições colectivas desencadeiam fenómenos de compaixão colectiva. Pela infâmia, pela injustiça ou por qualquer espécie de solidariedade. E cada vez mais as ruas irão encher-se de candidatos a mártires, sejam eles palestinianos ou de qualquer outra nação islâmica.
Já sabemos como actuam. Também punem colectivamente. Punem quem identificam como cúmplices daqueles que vêem causar a morte e o sofrimento e não falta já quem lhes grite que cúmplices são todos aqueles que falam e que vivem em liberdade. E onde anda quem lhes explique que não?
Não é difícil perceber quem irá levar com os estilhaços deste ódio. E o ódio irá sempre explodir até que os povos massacrados tenham todos direito à mesma esperança: a da sobrevivência.
Hoje, não há sobrevivência sem dignidade. E dignidade é poder escolher o futuro que desejamos. É poder lutar pela honra ou pela riqueza. É poder viver a acreditar em ideias ou na mais prosaica das conquistas materiais. É esse o único paraíso dos tempos em que vivemos. É essa é a mais ampla de todas as esperanças. Com ou sem Messias. Com ou sem religião.”
Quando o profeta Isaías gritava que vinham lá os Assírios, falava disto. Deste horror que era ver gente a ser esfolada em vida e a morte a abater-se tão cega sobre todos, que a palavra compaixão não tinha qualquer sentido. E foi com este pânico nos olhos que viu pela primeira vez a imagem que mais transformou o mundo: a de um Messias. Foi ele que o inventou. Para manter a esperança. Para manter coesa a vontade de um povo que via aproximar-se em carros de guerra o pior de todos os horrores. O pior de que há vestígios. E para os cristãos o Messias acabou por chegar. Para os judeus, ainda não é ninguém. Continua a ser apenas a esperança maior do que todas as palavras e do que todos os nomes.
Esta esperança sempre foi a da sobrevivência. Mesmo quando lhes queimaram o templo e os levaram escravizados para Babilónia. Mesmo quando as legiões de Roma lhes derrubaram todas as pedras do único altar onde louvavam o Deus único que também inventaram. Quando se espalharam pelo mundo na maior diáspora de que há registo, tirando a da própria humanidade a dividir-se pela terra inteira. Quando foram queimados nas fogueiras da intolerância religiosa dos nossos avós. Quando foram expulsos das pátrias onde nasceram. E sobretudo quando quiseram dar-lhes uma "solução final" e os empurraram para vagões de gado com a intenção de os gasear da forma mais cobarde, a pretexto de um duche.
Este sofrimento colectivo não tem paralelo na História. E julgo que é exactamente em nome de todo este sofrimento, que devemos exigir no mundo democrático um novo comportamento de Israel. A começar pelo fim imediato do massacre dos palestinianos em Gaza. Que devemos exigir que termine agora a punição colectiva que está a ser este acto de guerra, por mais justa que ela possa parecer à opinião pública que a sustenta: a israelita.
Quanto à opinião pública que a observa, julgo que não pode dar-se ao luxo de ignorá-la. Para bem de todos nós.
Sabemos todos que o Hamas cresceu com o ódio e que se instalou com o ódio. Que foi com o ódio que ganhou eleições e que tenta legitimar-se perante as democracias. Sabemos que foi sempre um braço político de uma mentalidade que odeia o pensamento democrático e que tem o apoio de estados como o Irão. E sabemos que não quer a paz porque também sabe que é apenas com o ódio que pode manter-se na defesa do poder que conquistou.
Mas também sabemos que Gaza não é só o Hamas. Gaza são todos os inocentes que estão neste momento à espera de sepultura. Sejam eles quinhentos, cinquenta ou apenas cinco.
Temos legitimidade para o exigir por duas razões. A primeira vem do facto de Israel não ter o monopólio da razão. Longe disso. Israel não tem cumprido boa parte das decisões das instâncias internacionais: resoluções da Assembleia-Geral das Nações Unidas, do Tribunal Internacional de Justiça ou das Convenções de Genebra. Pelo menos. E ignorar as resoluções das instâncias internacionais é não reconhecer a única forma de justiça que pode imperar sobre os Estados Soberanos. É recusar uma ordem jurídica mundial permanente. E não tendo isso, não temos mais nada a que possamos agarrar-nos. Voltamos à lei de talião, que é de onde nunca saiu este conflito: "olho por olho, dente por dente".
A segunda razão é bem mais óbvia. A morte destes inocentes não vai ser esquecida. Não vai diluir-se no esquecimento das derrotas de futebol e nem sequer do das tragédias de guerra. Tem tudo para prosperar como história do martírio de um povo: aviões a bombardear gente enjaulada e ninguém a defender do lado de fora.
Mas seja como for que seja lembrada, esta história será sempre sentida como uma punição colectiva. E as punições colectivas desencadeiam fenómenos de compaixão colectiva. Pela infâmia, pela injustiça ou por qualquer espécie de solidariedade. E cada vez mais as ruas irão encher-se de candidatos a mártires, sejam eles palestinianos ou de qualquer outra nação islâmica.
Já sabemos como actuam. Também punem colectivamente. Punem quem identificam como cúmplices daqueles que vêem causar a morte e o sofrimento e não falta já quem lhes grite que cúmplices são todos aqueles que falam e que vivem em liberdade. E onde anda quem lhes explique que não?
Não é difícil perceber quem irá levar com os estilhaços deste ódio. E o ódio irá sempre explodir até que os povos massacrados tenham todos direito à mesma esperança: a da sobrevivência.
Hoje, não há sobrevivência sem dignidade. E dignidade é poder escolher o futuro que desejamos. É poder lutar pela honra ou pela riqueza. É poder viver a acreditar em ideias ou na mais prosaica das conquistas materiais. É esse o único paraíso dos tempos em que vivemos. É essa é a mais ampla de todas as esperanças. Com ou sem Messias. Com ou sem religião.”
By Pedro Canais - Especialista de Comunicação Social
1 comentário:
Foi o melhor comentário que já li à respeito. Note-se, porém que sou leiga. Entretanto só assim consegui senão assimilar pelo menos entender direito alguma coisa.Muito me decepcionou obma- tinha tanta esperança- pelo pronunciamento medroso que não ouvi mas que me contaram à favor dos Judeus. Sei que há muito ódio de tudo qto é lado, mas meu Deus do Céu, isso é genocídio!
E nós, o que podemos fazer? Escrever, nos revoltar, chorar? Estou chorando e não adianta nada!
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